Cientificamente
Em 1946, o empresário Henrique Dumont Villares, sobrinho de Santos Dumont, resolveu publicar um livro sobre urbanismo. Com 280 páginas, encadernação luxuosa e capa forrada com tecido, o livro não saiu por nenhuma editora: foi bancado pelo próprio autor, que mandou imprimir e distribuiu os 5 mil exemplares.
O livro, que se chama “Urbanismo e Indústria em São Paulo”, tem basicamente duas partes. A maior delas é a primeira, com 250 páginas de “noções essenciais sôbre urbanismo” que “resultam não só de uma leitura atenta do que tem sido publicado sôbre o assunto, como, ainda, de observação pessoal do que tem sido realizado nos mais avançados centros urbanos”. Só depois dessa lenga-lenga é que o autor vai, na segunda parte, ao que de fato lhe interessa: falar maravilhas sobre um empreendimento imobiliário que ele mesmo estava vendendo na zona oeste da cidade. É o “Centro Industrial Jaguaré”, um bairro planejado no qual “foram cientìficamente aplicados todos os preceitos técnicos que procuramos esboçar nos capítulos precedentes”.
Localizado “em uma propriedade de 150 alqueires” à margem do rio Pinheiros, próximo à confluência com o Tietê, o loteamento de Villares daria origem ao atual bairro do Jaguaré. A maior parte do empreendimento era para a instalação de indústrias, mas uma grande área havia sido destinada também à implantação de um bairro residencial operário, em uma “aprazível colina no centro da propriedade”.
Villares gasta o verbo para enumerar as enormes vantagens que o loteamento oferecia à instalação de fábricas. Rodovias e ferrovias próximas, acesso pela recém-construída ponte do Jaguaré, e a retificação em curso nos dois rios, com previsão (que depois nunca se cumpriu) de se tornarem navegáveis, eram algumas delas.
Mas entre todas as vantagens, a que mais chama a atenção são as facilidades naturais que o bairro oferecia para o descarte de resíduos industriais:
“Em tôda grande indústria é preciso cuidar do problema da remoção do lixo e demais resíduos inúteis. (…) Com a localização do Centro Industrial Jaguaré junto ao canal do rio Pinheiros, fica eliminado tal inconveniente”.
Prático, né? Isso porque os “preceitos técnicos” eram aplicados “cientìficamente”. Imaginem se não fossem.
Você sabe em que deu esse empreendimento, Martin?
Não sei detalhes, Gabi, mas o empreendimento foi adiante. Algumas coisas previstas no projeto nunca aconteceram (porto fluvial, parque, estádio…), e uma parte da área virou uma favela, mas o bairro foi construído e está lá até hoje.
Tem um artigo interessante sobre ele aqui: http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/11.131/3838