Um bonde chamado desejo

Fotos dos bondes de São Paulo são muito comuns na internet. Quase todas são do exterior do bonde, como essa aí de cima, e costumam despertar sentimentos saudosistas. “Ai, como era bom andar de bondinho”, as pessoas gostam de comentar, morrendo de saudade do que não viveram.

São bem mais raras as imagens do interior dos veículos, como essa aí embaixo, que permite apreciar mais de perto a experiência de andar de bonde.

O que eu mais gosto nessa segunda foto é a clara divisão em dois planos, muito contrastantes. O plano inferior é da realidade. O de cima é o do desejo, das idealizações criadas pela publicidade.

Eu contei, em toda a imagem, um total de dois rostos alegres e um olhar bem-disposto: todos no plano de cima. No de baixo, só mesmo semblantes pesados, transmitindo cansaço, desesperança e resignação. O estado desses passageiros, em sua maioria trabalhadores, é de acabar com qualquer saudosismo.

Interessante também ler o que diz um dos anúncios em cima deles:

“2 amigos de sua beleza: pó de arroz compacto e baton Kadija Palermont”.

O pó de arroz e o batom talvez fossem mesmo amigos da beleza. Já o bonde e a vida na cidade certamente não eram!

(As fotos são reproduzidas de dois slides Kodachrome datados de janeiro de 1957. São com certeza do mesmo autor, e possivelmente do mesmo bonde.)

6 comentários
  1. Rafael disse:

    Cheguei a andar de bonde na minha infância… Mas, como toda criança, prestei menos atenção nas pessoas ao redor, e mais atenção na novidade e nos anúncios publicitários, que mostravam produtos vendidos “nas melhores casas do ramo”. E sim, tenho saudades daquela época.

  2. Edmundo Fernandes disse:

    Veja amigo passageiro, que belo tipo faceiro que você tem ao seu lado mas, acredite, quase morreu de bronquite. Salvou-o Rum Creosotado! Andei muito pouco de bonde. As lembranças são poucas. Me lembro que passava onde hoje é a Avenida Ibirapuera. Só não me lembro de onde vinhamos e para onde íamos. Outra lembrança: o cobrador andando para lá e para cá, com as notas de dinheiro presas entre seus dedos e o ticket.

  3. zebuenoblog disse:

    Eu andava de bonde quando criança, nos primeiros anos dos anos sessenta. Ia do Paraíso, onde morava, ao Clube Ypê, que ficava (fica) no começo da Av. Ibirapuera. Era a Parada Ypê. A linha vinha do Centro e ia até Santo Amaro. Tenho lembranças muito boas do bonde, principalmente porque nessa linha o bonde era o fechado, o famoso Camarão, muito mais confortável que esse aberto da foto. Acho que se vc andar, mesmo hoje, em qualquer meio de transporte coletivo, depois de um dia de trabalho, a sua cara não será de muita felicidade não. Felicidade só para quem não precisa passar por esse perrengue. O glorioso bonde não tem culpa de nada.

  4. Sonia Cristina disse:

    Minha mãe e meu pai se conheceram durante uma viagem de bonde, namoraram e casaram em novembro de 1959.

  5. Marcio Saviano disse:

    Onde seria esse local da 1° foto?

  6. Eu fiquei com a mesma curiosidade, Marcio, e fui pesquisar.
    A foto foi tirada na rua Conselheiro Moreira de Barros, nº 36, em Santana.
    A casa modernosa que aparece atrás do bonde ainda está lá, com a mesma aparência. O prédio ao lado dela, com fachada curva e sacadas, também continua.
    Já o prédio mais antigo, do qual só se vê um pedaço ao fundo, não existe mais. Ele pertencia ao Colégio Santana, e no lugar dele existe hoje um edifício residencial, na rua Voluntários da Pátria 2570.

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