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A foto, tirada na Praça da Sé, está datada no verso: 19 de junho de 1926.

Muita gente alimenta a nostalgia de que a São Paulo dessa época era melhor e mais gentil. Acreditam que a cidade funcionava bem e as pessoas viviam mais felizes. Que o centro era elegante, com as pessoas bem-vestidas, todo mundo na estica. O chiquê era tamanho que não se viam na rua homens sem chapéu.

A foto, com o pequeno jornaleiro à frente, mostra que algo disso isso era verdade. Pelo que vemos na cena, andar sem chapéu era mesmo inadmissível. Até o trabalhador infantil tem a cabeça devidamente coberta, com chapéu de feltro. Questão de educação.

Hoje em dia, não exploramos crianças com a mesma civilidade.

Sinclair Premium Grade é o lubrificante de vida longa. Pelo menos é o que dizia o anúncio.

É curioso, então, que o anúncio mostrasse um dinossauro, bicho cuja vida foi tão ostensivamente abreviada. Parece haver nessa publicidade do início dos anos 1950 algum sentido que eu não consigo captar hoje.

Por outro lado, visto hoje em dia, esse dinossauro ganha um outro sentido que não existia na época. O que ele parece anunciar é a iminente extinção dos predinhos e casas que o rodeiam. Ele está ao lado da lendária Vila Normanda, que desapareceria rapidamente, poucos anos depois da foto.

Neste local exato, hoje fica a entrada daquela rua particular ao lado do edifício Copan. É onde está o edifício Vila Normanda, prédio moderno cujo nome é o único vestígio desse dinossauro arquitetônico que um dia habitou a avenida Ipiranga.

A foto é de 1973, mas isso pouco importa. Se fosse feita hoje, a única coisa diferente seriam as roupas dos quatro personagens. O cenário segue basicamente igual.

Para quem não reconheceu o lugar, ele aparece identificado no reflexo do vidro, no canto superior direito. Verdadeiro clássico da cidade, até hoje ele atrai personagens como esses, que pagam caro e comem mal, tirando fotos e apreciando a (nem tão) bonita vista que se tem de lá.

A moda colorida e o fundo atemporal me lembraram a música de Belchior, Velha Roupa Colorida, imortalizada em 1976 na voz de Elis Regina, e recentemente regravada por Ney Matogrosso e Sandra Pêra:

“O que há algum tempo era novo, jovem
Hoje é antigo
E precisamos todos rejuvenescer
[…]
No presente, a mente, o corpo é diferente
E o passado é uma roupa que não nos serve mais”.

A foto é dos primeiros anos do século passado, ali por volta de 1910. Ela mostra a parte nova e moderna da cidade, que crescia com força depois que a mancha urbana atravessara o vale do Anhangabaú. Talvez por isso tenha sido estampada em cartão postal.

O edifício grande e quadradão que ocupa quase um quarto da imagem, na parte inferior esquerda, é o mercado São João, instalado em 1890 na rua de mesmo nome, para abastecer de alimentos a cidade em expansão. Ficava onde hoje é a Praça do Correio, mas não durou muito: foi derrubado em 1916, com as obras que transformaram a rua São João em avenida.

As demais construções não tiveram sorte muito diferente, e em poucas décadas quase tudo que vemos na foto também foi varrido da paisagem.

Com duas grandes exceções. A primeira e mais fácil é o Teatro Municipal, que já se vê imponente na foto, embora ainda em construção. Ele ficaria pronto em 1911.

E a segunda é o casarão branco quase no centro da imagem, com cinco janelas na frente e publicidade estampada na empena lateral. É o prédio que por muitos anos abrigou o Conservatório Dramático e Musical, e que segue em pé na avenida São João, 269.

Um teatro e uma escola de música: não deixa de ser interessante que os dois prédios da foto que conseguiram sobreviver sejam justamente os dedicados à cultura e às artes.

A Vila Itororó está na moda. Transformada em centro cultural, ela foi aberta ao público há pouco mais de um mês. É o resultado de um longo processo, que envolveu o tombamento pelo Conpresp em 2002 e pelo Condephaat em 2005, a desapropriação em 2010, a luta dos moradores para ficar, a remoção deles em 2011, e um minucioso projeto de restauração que ainda não foi concluído e provavelmente nunca será. 

Compartilho com vocês estas fotos, que foram feitas muito provavelmente na década de 1940. São de um tempo em que a vila não estava na moda. Ao contrário: sua fase áurea já tinha passado, e ela começava a se encortiçar. Foi nesta época que se consolidou sua vocação para local de moradia popular.

Não faço ideia de quem fez as fotos, nem para que, mas gosto de imaginar um possível caminho que o fotógrafo percorreu. Vejo-o chegando na vila por cima, pela rua Martiniano de Carvalho, de onde tirou a primeira foto:

Descendo o escadão, ele chegou aos pés das enormes colunas que sustentam a casa principal, e que em outros tempos também foram do Teatro São José. Impossível não notá-las, tamanha sua imponência e desproporção. Aqui ele tira mais duas fotos.

Seguindo o caminho de paralelepípedos, nosso fotógrafo não tardou a alcançar a outra ponta, na rua Maestro Cardim. Ali, uma segunda presença imponente chamou sua atenção: a vila acabava em uma gigantesca área verde, com direito a campo de futebol. Era o Vale do Itororó, parque urbano improvisado que se perdeu anos depois, com a abertura da avenida 23 de Maio.

Um parque anexo. Taí uma coisa que projeto nenhum de restauração vai devolver à Vila Itororó.

A foto atual, que abre o post, é da Secretaria Municipal da Cultura (imagem divulgação). As demais são parte de um conjunto de 15 fotos da Vila Itororó e seu entorno, encontrado à venda sem informações quanto à data ou autoria. Arrisco que sejam de meados da década de 1940.

Esta é a segunda tentativa de publicar este post. Uma versão anterior dele, que se chamou “Os enigmas do Ipiranga”, foi publicada algumas semanas atrás e chegou a ficar uns dias no ar, mas depois resolvi tirá-la do blog. Já já explico por quê.

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Tudo começou quando encontrei este cartão postal, que uma tal de Marcie (parece ser esse o nome) recebeu em 1908 lá na cidade de Spa, na Bélgica:

Ma chère Marcie,
Pour l’elève photographe j’envoie une vue chic prise de la fenêtre de la maison vers le Musée d’Ypiranga; pour tous trois, tout ce qu’il y a de plus choisi comme souhaits de nouvel an de la part de Jeanne, des enfants et de Louis.

(Minha querida Marcie,
Para o aprendiz de fotógrafo, eu envio uma vista chique tomada da janela de casa em direção ao Museu do Ipiranga; para todos os três, tudo o que houver de melhor, como desejo de ano novo da parte de Jeanne, das crianças e de Louis.)

O texto pode até parecer trivial, mas para mim ele guardava três mistérios, e o post convidava os leitores a opinar sobre eles:
1. Se isto é um cartão postal, como assim a foto foi tirada “da janela de casa”?
2. Como alguém pode achar chique essa paisagem cheia de mato?
3. Onde ficava essa tal “janela de casa”, se é que de fato existiu?

Os leitores do meu blog são sempre muito generosos. Dois deles, a Mariana Pabst Martins e o Luís Salvucci, rapidamente resolveram o enigma nº 1. Eles me lembraram que, na época, era relativamente comum as pessoas mandarem fazer suas fotos com o verso preparado para cartão postal, para enviá-las pelo correio. Normalmente, esses cartões eram feitos com retratos de gente. Mas nada impedia que mostrassem alguma outra coisa, por exemplo a vista da janela.

Mariana e Luís têm razão: eu mesmo me lembro de já ter visto alguns cartões assim: o retrato da pessoa ou uma pose da família de um lado, e o impresso padronizado de cartão postal do outro. Mas não me lembrei disso ao escrever o post. Enigma resolvido!

O enigma nº 2 foi desvendado por outra leitora, minha amiga Patricia Carvalhinhos, professora do curso de Letras da USP. Para ela, a solução é linguística: a palavra “chic”, em francês, tanto pode referir-se a elegante ou refinado, como a bonito ou agradável. No Brasil estamos acostumados ao galicismo “chique” com o primeiro desses sentidos, mas desconhecemos o segundo. A vista da janela, então, é “chic” no sentido de bonitinha, pitoresca. E a explicação da Patricia é “chic” de chique mesmo!

Já o terceiro enigma foi o que mais deu trabalho, e a culpa foi toda minha.

É que, na postagem original, ele foi o único dos três que eu tentei responder. Desenvolvi um longo e tortuoso raciocínio para descobrir o ponto exato de onde a foto teria sido tirada em 1908.

A teoria era muito bonita, mas tinha um pequeno defeito: estava toda errada. Quando o José Carlos Vaz me convenceu disso, resolvi retirar o post do ar por um tempo, para reescrevê-lo. Afinal, por mais que desinformação e notícia falsa estejam em alta na internet, essa moda não chegou a este blog. Nos dias seguintes, com ajuda do Diego Vargas, que é bom detetive, comecei uma pesquisa pra ver se resolvíamos o enigma de forma correta.

E não é que conseguimos? Não só descobrimos de onde a foto foi realmente tirada, mas de quebra resolvemos um quarto mistério, que nem estava listado: quem são Jeanne, as crianças e Louis, a família que assina a mensagem do cartão.

Não vou contar aqui todos os detalhes da investigação, mas o fato de o cartão ter sido enviado a Spa foi, desde o início, uma pista importante. Em 1908 devia haver em São Paulo pouca gente dessa cidade, mandando cartões para amigos ou parentes. Fazia sentido, então, pesquisar famílias belgas morando por aqui na época.

A segunda pista importante veio em um artigo de pesquisadores do Instituto de Zootecnia do Estado de São Paulo, apresentado em 2010 no 2º Seminário de Patrimônio Agroindustrial, na Escola de Engenharia da USP em São Carlos.

O artigo conta a história do Posto Zootécnico Central, instituição que durante anos ocupou um grande terreno com frente para a atual rua Borges de Figueiredo, na Mooca. Ao ser inaugurado em 1905, o Posto Zootécnico teve como diretor provisório um engenheiro agrônomo belga (Hector Raquet, professor do Real Instituto de Agricultura de Gembloux), que, por sua vez, acabou trazendo da Bélgica outros agrônomos, imagino que ex-alunos seus. Um deles se chamava Louis Misson.

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O artigo ainda mostra uma planta do Posto Zootécnico datada de 1909, e descreve as benfeitorias ali existentes. Na página 2, lemos o seguinte:

“Quase metade da área é assinalada como sendo de várzea e a outra metade, parte em capoeira e parte com construções rurais, residências, pista para desfile de animais, campos de experimentação, horta e pomar, piquetes com pastagens, caixa d’água, bebedouro e estrumeira.”

As pistas estavam ficando quentíssimas. Já tínhamos um lugar descampado como o do cartão, que tinha residências, onde moravam belgas. A localização (imediações da rua Borges de Figueiredo, Mooca) é bastante compatível com o ângulo em que o museu aparece na foto. E um dos belgas do lugar se chamava Louis!

Para ter certeza mesmo, faltava encontrar uma ligação desse Luis Misson, do Posto Zootécnico, com a cidade de Spa, para onde o cartão foi enviado. Não foi difícil achá-la: bastou uma busca rápida em arquivos de jornais. Uma ata de reunião da Sociedade Rural Brasileira, publicada na Folha da Manhã de 21 de abril de 1929, menciona que o “dr. Luiz Misson e filho, exportadores de animaes de raça pura, de Spa, na Belgica” estavam pleiteando tornar-se sócios da instituição.

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Com isso a história se fechou: o Louis do cartão para Spa era mesmo o agrônomo Louis Misson. Em 1908, ele morava com a família em uma das residências do Posto Zootécnico, de onde a vista que se tinha em direção ao museu era essa mesmo. E em 1929 ele continuava por aqui, com o nome abrasileirado para Luiz mas ainda trabalhando com gado. O terceiro enigma do Ipiranga (que na verdade era da Mooca) estava assim resolvido.

O mais curioso é que só depois de todo esse trabalho eu fui me lembar deste outro post, sobre o Posto Zootécnico, que publiquei há 7 anos, e que mostra que de certa forma a resposta já estava aqui no blog. Se alguém ainda tiver dúvida de onde a foto do cartão foi tirada, basta comparar a posição do museu nas fotos dos dois posts.

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Depois disso tudo, só espero que o Vaz não destrua de novo a minha argumentação! 😀

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Hoje não vou escrever no blog. Entro aqui só para divulgar um artigo sobre os Arcos do Bixiga que acaba de sair na revista Arquitextos, assinado por mim e pelo Diego Vargas.

A ideia do artigo foi reconstituir até onde possível a história dos Arcos a partir de fontes confiáveis. Ao fazer isso, o texto ajuda a esclarecer as lendas urbanas que envolvem esse monumento paulistano.

Para ler, é só clicar no link abaixo. Espero que gostem!

https://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/20.239/7672

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De todas as imagens que já publiquei no blog, a de hoje é uma das mais raras, e certamente a que mais me impressionou. Eu já tinha visto a São Paulo desta época retratada neste ângulo em pinturas e gravuras, mas não me lembro de tê-la visto por este ângulo em foto.

São duas fotos que, postas lado a lado, formam uma panorâmica. O fotógrafo está na Várzea do Carmo, atual Parque Dom Pedro, e a visão que ele tem da cidade é bem completa. São Paulo ainda não cresceu muito além da colina histórica, e é pequena o suficiente para caber em duas chapas.

Sugiro clicar na imagem para ver melhor os detalhes. Na extremidade esquerda, cortada pela margem da primeira foto, há uma igreja que parece ser a da Boa Morte, existente até hoje na rua do Carmo. Seguindo pelo horizonte para a direita, uma segunda torre aparece em destaque: é o antigo convento do Carmo, ao lado do atual Poupatempo Sé. Uma terceira torre aparece um pouco mais à direita, e talvez seja de uma das igrejas que havia no antigo Largo da Sé. Demorei para achar a torre da igreja do Colégio, que aparece meio cortada na divisa entre as duas fotos. Curioso que o local de fundação da cidade apareça exatamente no centro da imagem formada pelas fotos. Deve ter sido de propósito.

Já na foto da direita, é impossível não notar um prédio baixo e comprido, cheio de portinhas. É o “mercado dos caipiras”. O mercadão atual funciona ali pertinho, em outro prédio, da década de 1930. À direita do mercado se vê uma longa fileira de casinhas, bem ao pé da colina. É a rua 25 de Março. No alto da colina, avista-se mais uma torre: pode ser a igreja do Mosteiro de São Bento (na época bem mais acanhada que hoje, e com uma torre só), ou então a antiga igreja do Rosário, demolida em 1903.

Quem quiser explorar mais, com certeza reconhecerá vários outros lugares interessantes. Aproveitem o passeio!

O par de fotos estava à venda na Alemanha, em um site, sem qualquer informação de autoria ou de data. A foto da esquerda está perfeita, e a da direita tem manchas que parecem ser defeito do próprio processo de revelação.

Provavelmente nunca saberemos quem é o fotógrafo, mas a data é relativamente fácil de aproximar. O mercado dos caipiras foi construído em 1867, portanto a imagem não pode ser anterior a isso. Mas também não é muito posterior, a julgar pelos montes de pedra e de areia ou terra que vemos espalhados pela várzea, indicando que a área está em plena reforma. Meu palpite é que são as obras feitas ali pelo governo da província na gestão de João Teodoro (1872-1875), quando o rio Tamanduateí teve suas primeiras obras de retificação. João Teodoro entregou a obra com o trecho de rio canalizado e alguns melhoramentos paisagísticos.

Ou seja: a imagem flagra o momento exato em que São Paulo começava a mexer com seus rios. Deu no que deu.

O post anterior, há duas semanas, foi sobre uma foto tomada de uma janela do hotel Jaraguá por algum turista ou visitante americano. Vejam só a coincidência: descubro agora estas outras quatro fotos, feitas do mesmo hotel, na mesma época, também por um viajante.

Entre as imagens dos dois posts há uma distância de 2 anos: estas são de 1959, a do anterior era de 1957.

Há também uma distância de 2 mil quilômetros. A do post anterior tinha aparecido em Johnston, no estado americano de Rhone Island; as de hoje estão em Plymouth, Illinois.

As quatro fotos de hoje foram feitas de diferentes janelas de algum andar alto, ou quem sabe do terraço de cobertura do hotel Jaraguá. Elas apontam para lados bem diferentes, então dá pra ter uma visão bem ampla da cidade. Quase uma síntese. A cores, coisa rara na época.

Na primeira foto, a grande estrela é o edifício Viadutos, de João Artacho Jurado, que já tinha aparecido no post anterior. Mas se lá o prédio ainda estava inacabado, com janelas sem esquadrias, aqui ele parece já ter ficado pronto (embora ainda esteja desocupado, como se nota pela ausência de cortinas).

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A segunda foto aponta para o lado oposto: uma avenida São Luís como sempre muito arborizada, onde casas baixas e prédios altos ainda convivem. À esquerda está o edifício Louvre, outro prédio do Artacho Jurado, ainda em construção. Atrás dele, chama a atenção a ausência do Itália. No lado direito da foto está o casarão onde funcionava o Laboratório Paulista de Biologia, que nos anos 60 deu lugar à Galeria Metrópole.

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O cenário da terceira foto é o que menos mudou. A biblioteca Mário de Andrade (vemos um pedacinho dela à esquerda) e os prédios da Xavier de Toledo não sofreram alterações. Também os quatro arranha-céus ao fundo (Banco do Brasil, Martinelli, Banespão e Conde Prates) permanecem mais ou menos do mesmo jeito. Em compensação, hoje seria difícil tirar a foto: um prédio construído há pouco tempo no canto inferior direito – o Setin Downtown São Luís, famoso pelos apartamentos de 18 metros quadrados – tamparia uma boa parte da visão do fotógrafo.

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Mas de todas as fotos, a que mais me fascina é a última, tirada dos fundos do hotel. Mais ou menos no centro da imagem está uma praça Roosevelt praticamente irreconhecível, antes da desfiguração que sofreu em 1970. Eu só soube que era a Roosevelt por causa da igreja da Consolação. E também graças à fachada curva do Teatro Cultura Artística, que se vê no lado inferior da praça, e ao prédio do colégio Porto Seguro (atual Escola Estadual Caetano de Campos), no superior.

Um pouco acima da praça está o Colégio Des Oiseaux, atual-futuro Parque Augusta. E a rua reta à esquerda dele é a Augusta, subindo em direção ao horizonte. O horizonte é a Paulista, ainda com poucos prédios.

Tem muitos outros detalhes que podem ser explorados, mas vou deixá-los para vocês.

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Fotos são imagens estáticas, filmes nos permitem ver movimento. Tem sido assim desde a invenção do cinema.

Mas certas fotos são teimosas, e é difícil não ver movimento nelas. É o caso desta aqui, de uma São Paulo em plena metamorfose, em 1957. Eu, pelo menos, olho pra ela e tenho a impressão de ver a cidade “se mexendo”.

O viaduto em primeiro plano é o Major Quedinho, sobre a avenida 9 de Julho. Está lá o edifício Major Quedinho, concluído poucos anos antes, em 1954. Sua bonita fachada em curva com sacadas, hoje coberta de hera, virou marca registrada do local.

E em torno do viaduto e do prédio, tudo o que se vê é paisagem em transformação. Na esquerda da foto, um edifício Viadutos ainda em obras (reparem nas aberturas ainda vazadas, sem esquadrias). Dali para a direita, vários esqueletos de concreto sendo erguidos, e outras tantas torres recém-acabadas. E entre eles estão velhas casas agonizantes e muitos terrenos cercados por tapumes, onde em breve pipocarão mais e mais esqueletos. A dinâmica está evidente na foto, sem que precisemos de um filme para mostrá-la.

A foto é um slide Kodachrome, coisa muito rara no Brasil dos anos 50. Embora essa tecnologia estivesse disponível em outros lugares do mundo desde 1935, entre nós ela ainda não tinha se difundido. Os filmes eram caros, e por aqui não havia onde revelá-los.

Isso, junto com o fato de a foto ter sido tirada de uma janela de hotel (o Jaraguá, na esquina da Consolação com a Martins Fontes) e ter aparecido à venda em Rhode Island, nos Estados Unidos, indica que o fotógrafo não é daqui. Só pode ser algum turista ou viajante de passagem pela cidade.

Eu fico pensando o que terá atraído a atenção desse gringo, motivando-o a fazer o clique. Minha aposta é que foi justamente essa feição mutante da paisagem: o novo substituindo o velho e os vazios sendo preenchidos, num processo que, de tão tão rápido, permitia tirar fotos “dinâmicas”.