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cinemas e teatros

Não sei quase nada sobre Klass Gustav Jansson (ou Claro Jansson, nome que adotou no Brasil). Mas pesquisando na internet, fiquei sabendo que ele nasceu em 1877 em Hedemora, na Suécia, e veio para o Brasil ainda jovem. Morreu em Curitiba, em 1954, deixando um importante acervo de fotos sobretudo da região Sul do país.

Entre a década de 1910 e o comecinho da de 20, ele parece ter estado algumas vezes em São Paulo. E a cidade que viu foi esta, agitada e cheia de gente na rua. Dos muitos detalhes, meus preferidos são as mudas de palmeira da praça Ramos e o calçamento sendo consertado no viaduto do Chá.

Quem descobriu as fotos foi o Paulo José da Costa, um livreiro de Curitiba que as publicou no seu blog. E eu gostei tanto delas que resolvi copiá-las aqui.

As duas fotos são do mesmo autor (Guilherme Gaensly) e foram tiradas do mesmo local (o prédio do Mackenzie, na esquina das ruas Itambé e Maria Antônia). Elas mostram a mesma vista em direção ao centro, em dois momentos diferentes.

A primeira deve ter sido tirada em 1906 ou 1907. O teatro municipal, que começou a ser erguido em 1905 e só ficaria pronto em 1911, pode ser visto ainda incompleto na linha do horizonte (clicando na foto, dá pra vê-lo com mais detalhe). A rua Major Sertório (no meio da foto, apontando para o teatro) está sem árvores, e a Maria Antônia (no canto inferior direito) tem umas mudinhas miúdas plantadas na calçada. À direita da Major Sertório, vemos duas grandes chaminés: são da usina a vapor da rua Araújo, que produzia eletricidade para o a iluminação e os bondes do centro. E mais à direita ainda, aparece a igreja da Consolação. Não a atual, em estilo neogótico, mas a anterior, demolida em 1907.

Algum tempo depois, na segunda foto, as chaminés e a igreja sumiram. A Major Sertório e a Maria Antônia estão bem arborizadas, e o teatro já ficou pronto…

Mas o que mais me chamou a atenção não foi nada disso. Foi perceber que de Higienópolis dava pra ver o Municipal.

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Atualização em 30 de maio: O Alex Sartori me mandou esta terceira foto que, por coincidência ou não, foi tirada do mesmo ângulo das duas anteriores. Nela não dá mais pra ver o teatro municipal, que sumiu entre os prédios do centro. A igreja da Consolação reapareceu na sua versão nova, com a torre ainda em construção. E na Maria Antônia já vemos o prédio da USP. A foto é de 1947, da revista Life. Impressionante a mudança na paisagem em tão pouco tempo… Obrigado, Alex!

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Na avenida São João 560, onde funcionava o cine Broadway, o tempo ruim acabou no dia 12 de junho de 1935.

“No Broadway não haverá inverno, nem verão, será eternamente primavera, num ambiente agradavel, só tendo confronto com o clima das montanhas da Suissa”, dizia o anúncio publicado nos jornais na véspera.

Tudo graças a uma “novidade sensacional” que o cinema estava inaugurando: o primeiro aparelho de “ar condencionado” instalado no Brasil!

E tudo “em beneficio do conforto e da hygiene dos espectadores”, como explicou o jornal do dia seguinte:

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As imagens são da Folha da Manhã, de 11 e 13 de junho de 1935. Ironicamente, dali para a frente o tempo ficou feio para os donos do Broadway, os irmãos Álvaro e Armando Reis. Menos de dois anos depois, em meio a uma briga por causa do cinema, eles se envolveram em um dos crimes mais famosos da história da cidade: o do castelinho da rua Apa.

Não consegui achar nenhuma foto antiga do cine Líder, na rua Conselheiro Nébias 197, na região da cracolândia. Mas achei várias informações sobre ele em anúncios de jornal.

Quando foi inaugurado, em 1961, ele era um “moderno e acolhedor cinema em pleno coração da cidade”, especializado em filmes antigos. Cobrava preços populares e dava desconto para militares e estudantes. “O Cine Líder agradece desde já a sua preferência, prometendo fazê-lo reviver deliciosos momentos do passado”, dizia o anúncio na Folha de S.Paulo.

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Pelo jeito não deu muito certo. Menos de um ano depois da inauguração, as delícias prometidas já eram de outra ordem. “Os mistérios do sexo desvendados num filme realista”, dizia um anúncio de 1962, e também avisava que o cinema era “só para homens” e “reservado para um público adulto”.

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Nos anos 70 o cinema mudou de nome. Virou “cine-teatro Can-Can” e incrementou a atividade: passou a intercalar as projeções de filmes com shows no palco.  Esta foi a fase mais duradoura. “De Pernas Abertas”, “O negócio está de pé”, “O Vale das Taradas”, “Bacanal na Ilha da Fantasia”, “Ardendo em Sexo” e “Fêmeas que Topam Tudo” foram algumas das inúmeras produções cinematográficas exibidas. O último anúncio saiu em 1990, e o prédio foi demolido logo depois.

A única coisa que não foi demolida foi a parede lateral da plateia, que ainda conserva a decoração original. Uma paisagem mexicana, um cameraman, um diretor de cinema, o Carlitos de Chaplin e um índio de faroeste assistiram juntos a todas essas mudanças e foram ficando ali, unidos e firmes, até hoje.

Na minha opinião este é o estacionamento mais bonito de São Paulo.

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Os anúncios são da Folha de S.Paulo de 10 de agosto de 1961 e 4 de abril de 1962. As fotos são da Monica Hikaru, e eu apareço em uma delas.

Atualização em 13 de março: O Luciano Cartegni mandou uma nova informação. Existe uma foto da fase final do cinema no livro  “Salas de Cinema em São Paulo” de Inimá Simões, editado em 1990.  A foto, que reproduzo abaixo, está no final da página 124 do livro, que pode ser lido aqui: http://www.centrocultural.sp.gov.br/livros/pdfs/salas.pdf.

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Em janeiro de 1958 era inaugurado “o luxuoso cine Brasília, exibidor de produções de grande classe no progressista bairro da Lapa”. O cinema era equipado com “os famosos carvões Lorraine Super-Orlux, garantia máxima de conforto visual e projeção perfeita”. Na inauguração passou “Quo Vadis”, de 1951, com Robert Taylor e Deborah Kerr.

Mas todo esse luxo, conforto e tecnologia de bairro não foram suficientes, e cinema não foi muito longe. Em 1970 ele já tinha virado uma loja de eletrodomésticos. Depois passou por lá um Pão de Açúcar, e hoje o prédio abriga uma loja de pneus e acessórios para carros. Está todo pintado de vermelho, para chamar a atenção e poluir visualmente o “progressista bairro da Lapa”.

465(Anúncio da Folha da Manhã de 4 de janeiro de 1958)

438Tem muitas coisas que eu não sei sobre estes cartões postais.

Não sei se eram impressos no Japão ou produzidos por aqui pela colônia japonesa.

Também não sei exatamente de quando são. Pelos prédios que aparecem neles, é possível que sejam dos anos 20.

Não faço ideia do que está escrito neles. Quem sabe alguém que entenda japonês possa traduzir…

E não sei quem são as pessoas que aparecem retratadas no segundo.

Só sei mesmo que os dois são muito bonitos e delicados, e por isso mereciam este post. Os dois cartões são do vale do Anhangabaú. O primeiro mostra a praça Ramos e o teatro municipal, vistos do outro lado do vale. E o segundo, a vista oposta: os prédios da Líbero Badaró e da praça do Patriarca, a partir do Municipal.

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Atualização em 5 de fevereiro: O Tomomasa Takeda, leitor do blog que mora em Tóquio, leu o post e me mandou a tradução dos textos. Segundo ele, o primeiro cartão diz o seguinte: “Uma linda paisagem do Teatro Municipal de São Paulo, pintada pelo comentarista sr. Kanno. Enviada pelo Cônsul Geral do Império Japonês”. E o segundo diz: “Pintado pelo sr. Rikio Kanno, família Kamizuka – benfazejo dos imigrantes japoneses”. Obrigado, Tomomasa!

Nova atualização, em 7 de fevereiro: Minha amiga Monica Hikaru me explicou que esse sr. Rikio Kanno é o homem barbudo que aparece no segundo cartão!  Ele foi um explorador japonês, nascido em 1887 e morto em 1963, que viajou pelo mundo nas primeiras décadas do século passado. A passagem dele pelo Brasil foi em 1923, portanto os cartões devem ser desse ano.  Mais fotos e informações (em japonês) sobre ele neste site: http://tankenka.j-wak.com. Obrigado, Monica!

Muita coisa mudou no largo do Arouche. Mas o que menos mudou foi essa imensa árvore que aparece bem no meio da foto.

A foto é de um cartão postal do começo dos anos 40. E pelo tamanho, a árvore com certeza já era muito antiga na época. Ela continua no mesmo lugar, do mesmo tamanho, igualzinha até hoje.

Muitas construções da foto não existem mais. A que mais me chama a atenção, quase no centro da imagem, é um prédio imponente com frontão triangular, que lembra um teatro. São os fundos do Cine República, um cinema da década de 20 que ficava de frente para a praça da República.

Ao contrário da árvore, o cinema não resistiu. Foi demolido nos anos 50 para a construção de outro mais moderno, que também se chamou Cine República.  E que por sua vez também foi demolido, nos anos 70, para a construção do metrô.  A árvore assistiu a tudo impassível. E pelo jeito não pretende sair de lá tão cedo.

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Olhando assim de relance, estas fotos de um grande teatro rodeado por uma bonita praça nem parecem ser de São Paulo.

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Mas elas são, sim. O teatro São Paulo e a praça Almeida Júnior ficavam no bairro da Liberdade, em um quarteirão que existia entre as ruas da Glória e Conselheiro Furtado.  Eles desapareram em 1969, literalmente atropelados pela construção  da ligação leste-oeste.

Nas imagens aéreas, dá pra visualizar bem o que aconteceu. E o mais paulistano de tudo é que, na planta oficial da cidade, o lugar até hoje se chama “praça Almeida Júnior”, apesar de, de praça mesmo, só ter sobrado um fiapinho.

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As fotos do teatro são do acervo da Casa da Imagem. As imagens aéreas são reproduzidas de geoportal.com.br.

E hoje eu não poderia deixar de escrever, ainda que rapidamente, sobre o Belas Artes.

O Condephaat decidiu finalmente tombar o cinema. Ficam protegidos a fachada e um trecho de quatro metros para dentro do prédio. Tem muita gente comemorando, mas eu com certeza não me incluo entre eles.

Acho lamentável que, depois de tanta mobilização pública, o resultado alcançado tenha sido esse. A cidade não precisava tombar um prédio que não tem valor arquitetônico (se um dia teve algum, faz tempo que o perdeu em sucessivas reformas e desfigurações). O que a cidade precisa, e não conseguiu, são políticas públicas que garantam a sobrevivência de espaços como o Belas Artes. Em prédios tombados ou não.  E não só na região da Paulista, que está cheia de cinemas, mas também áreas da cidade carentes desse tipo de equipamento.

A propósito: no final do ano passado, neste outro post, eu fiz uma conta bem simples. Com o dinheiro gasto pela prefeitura com enfeites de Natal só em 2011, daria para manter o o Belas Artes funcionando por 12 anos e meio. Ou para financiar vai saber quantos cinemas em bairros que não têm cinema.

A imagem é reproduzida de um artigo muito interessante sobre a arquitetura do prédio, disponível aqui: http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/drops/11.040/3729